MULHERES
RITMISTAS, UMA REALIDADE
Quando
se fala em carnaval brasileiro a imagem que vem logo a mente são
corpos esculturais de mulheres desnudas, bumbuns lindos e silhueta
perfeita. Todavia a função das mulheres no mundo do samba não se
restringe a isso, dentro das agremiações elas já ocupam espaços
muito além dos destinados às rainhas de bateria. Elas estão por
toda parte: na presidência, nas diretorias, no comando das alas, na
criação dos figurinos, e nas baterias, isso mesmo, mulheres
percussionistas, e é exatamente sobre esse último tema que vamos
abordar agora.
Essa
inclusão, muito discutida atualmente, começou na realidade no
século XIX quando Chiquinha Gonzaga compôs em 1899 Ó Abre Alas, a
primeira marchinha de carnaval da história, numa época em que as
mulheres não tinham permissão sequer para decidir a própria vida.
Hoje tudo mudou e não há mais preconceito quanto a presença de
mulheres numa bateria de escola de samba.
“Não
há discriminação e nem privilégios, somos tratadas com igualdade
pelo mestre de bateria”, destaca Heloisa Helena, cuiqueira
capixaba, apaixonada por esta função, e que vem desfilando por
várias agremiações no decorrer dos últimos 5 anos.
Heloisa
Helena, que se perde em explicações ao falar sobre as
peculiaridades do instrumento que tanto aprecia, diz que a cuíca é
um complemento para a bateria com um andamento que segue a marcação
do surdo. A ritmista praticamente dá uma aula de como usá-la, e
afirma que as mulheres vieram para acrescentar e não para disputar
com os homens.
Nome
- Heloisa Helena de Souza Silva
Idade
- 33 anos
Estado
Civil - Solteira
Profissão
- Funcionária Pública
Primeira
escola - As primeiras escolas foram MUG e Andaraí no carnaval de
2013
Escolas
que já passou - 2013 e 2014: Andaraí e MUG;
2015: Andaraí, Pega no
Samba e MUG;
2016: Andaraí, Pega no Samba e Império de Fátima
Posição
na escola - Desde 2013 como ritmista tocando cuíca e este ano na
Andaraí como diretora de bateria
Começou
no carnaval – Em junho de 2012 comecei a frequentar a oficina de
ritmistas que tinha na MUG, que visava preparar
ritmistas para o carnaval de 2013. Neste mesmo ano, cuiqueiros que
tocavam na Andaraí me convidaram a frequentar os ensaios da bateria
e passei a frequentar a escola também.
Heloísa Helena
Ouça a entrevista com Heloísa:
Cuíca
- Curiosa e Apaixonante
Curiosa
e apaixonante é como Heloisa define o instrumento. Ela possui duas
cuícas, uma de 8" e outra de 10", mas segundo ela, existem
muitos tamanhos de cuíca, e elas são medidas em polegadas e não em
centímetros, e, embora seja considerada um instrumento de percussão
ela não é percutida. “Os tons produzidos estabelecem um padrão
rítmico com sons agudos, médios e graves”, explica.
E
continua: “A cuíca é um instrumento musical da família dos
tambores de fricção, com uma haste de madeira presa no centro da
membrana de couro. O som é obtido friccionando a haste com um pedaço
de tecido molhado e pressionando a parte externa da cuíca com dedo.
Quanto mais perto do centro da cuíca mais agudo será o som
produzido”.
Sobre
as origens, Heloisa informa que são pouco conhecidas, “podem ter
chegado ao Brasil através dos escravos africanos, e estes a usavam,
em sua versão primitiva, para atrair leões com os rugidos
semelhantes a este animal que o instrumento pode produzir”.
Embora
fosse criada para outro fim, o instrumento se adaptou bem a música
popular brasileira, mas foi só em 1930 que a cuíca passou a fazer
parte das baterias das escolas de samba, e atualmente é também
encontrada no jazz contemporâneo e em estilos funk e latinos.
Tânia
Brandão - A Pioneira
Engana-se
quem pensa que Heloisa é a única mulher no carnaval capixaba a
tocar este instrumento. A própria Heloisa faz questão de destacar
que “existe outra, Tânia Brandão”. Funcionária Pública
aposentada, ex Delegada de Polícia, Tânia Regina Brandão nos
surpreende ao afirmar que toca cuíca há mais de 40 anos, que já
tocava na Jucutuquara quando ainda era um bloco, e também tocava no
Bloco Chega Mais da Vila Rubim.
Além
da cuíca, que aprendeu a tocar com um tio, Tânia manda
bem no Cavaquinho e no Cajon. Desfila na Jucutuquara desde 2004 e
atualmente vem pela MUG, Pega no Samba, Andaraí e Império de
Fátima. Orgulhosa de ter sido a primeira mulher a tocar cuíca numa
bateria de escola de samba ela encerra dizendo que “a cuíca é
essencial para o samba, eu sou a pioneira, a única até aparecer
Heloisa”.
Mulheres
x Surdo: Conquista e destaque em outras posições
A
exemplo de Heloisa e Tânia podemos citar diversas mulheres capixabas
que já consolidaram sua participação nas escolas de samba do nosso
Estado. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, que elas
procuram instrumentos leves como o chocalho e o ganzá, muitas delas
encaram o peso de um surdo sem reclamar. Todas parecem realizadas em
seus postos e é unânime a ideia de que não trocariam suas posições
nas baterias por nenhuma participação em outro quesito.
Kátia
Breciani
-
Podemos começar citando Kátia Breciani, percussionista da Escola
Novo Império, especialista em surdo intermediário e chocalho. Ela
conta que começou tocando surdo de primeira num bloco de rua, quando
um amigo a convidou para participar da bateria da Novo Império. “A
princípio alguns integrantes da bateria riam e esperavam que eu
errasse”, conta ela, mas teve incentivo do Mestre da época,
Marcelinho, que a aceitou, incentivou e ensinou a batida certa. E
quanto ao peso do instrumento finaliza dizendo: ” Na avenida a
gente não sente o peso, não sente nada, é emocionante”.
Solange
dos Santos -
Também é amante do surdo, e toca ainda tamborim e chocalho. Ela
relembra que começou na Jucutuquara em 2005 convidada pela sua tia
Zilda Maria dos Santos, também ritmista da escola. Hoje ela integra
a bateria da MUG, apesar de desfilar todos os anos, com a Imperatriz
do Forte, a São Torquato e a Pega no Samba. Perguntada como se
divide entre as escolas ela diz que se programa de acordo com a
agenda da ordem dos desfiles da Lieses. Sobre sua aceitação ela diz
que no começo alguns integrantes a olhavam “meio atravessado e
tinham receio de me ensinar, não acreditavam que eu chegaria ao fim
da avenida com o peso do surdo”. O mestre de bateria que a recebeu
foi Renatinho da MUG, que na época era da Imperatriz do Forte, e
conclui: “Com o tempo, veio a resistência e a capacidade”.
Walkiria
Alexa – Ritmista
de tamborim há seis anos pela Independente de Boa Vista, nos conta
que “sentia um astral diferentes daqueles que tocavam este
instrumento”. Diz que o interesse começou quando ainda era pequena
e ia assistir aos ensaios da escola. “Sempre me cobrei um bom
rendimento por ser mulher, mesmo sabendo que a diferença de sexo não
determina a qualidade do ritmista”, conclui.
Michele
Silvério -
Há casos em que o incentivo parte de dentro da família. Michele
Silvério acabou ritmista de chocalho da Pega no samba da maneira
mais casual possível. Ela ia aos ensaios para levar o seu filho
Kaleb,
hoje com 16 anos, que toca repique. Enquanto assistia aos ensaios
Michele começou a se interessar pelo som e devagar foi se
apaixonando pela escola. Ela diz que foi “muito bem aceita”,
aprendeu usar o chocalho, e já desfila na bateria por 2 anos
consecutivos.
Michele e Kaleb |
Através
da bateria o sonho de carreira
E
há aquelas que almejam mais do que tocar um instrumento. É o caso
de Juliana Barcelos, ela quer ‘tocar’ a escola e quer envolver
toda a comunidade no seu sonho de ser Presidente da Piedade. Nascida
e criada na Fonte Grande, onde se localiza a quadra da Piedade,
Juliana conta que desfila há 15 anos pela escola e como tudo
começou.
Filha
de Antônio Barcelos, hoje integrante da Velha Guarda, Juliana
seguiu os passos do pai que tocava Caixa. Ela explica que aos sete
anos ficava observando a bateria até que o mestre Edu, na época, a
introduziu no instrumento que mais despertava sua curiosidade. O pai
a incentivou e comprou o Tamborim. Ela desfilou naquele mesmo ano,
depois de a família e a escola terem conseguido uma autorização do
Juizado de Menores.
Juliana
está fazendo carreira, hoje já ocupa o posto de Diretora de
Tamborim na Piedade junto ao Mestre Dênis (Sapo). Ela também
desfila pela Novo Império sob a coordenação do Mestre Gleydson
Mariano, tocando surdo de terceira, que segundo ela, “exige força
e postura”. Juliana finaliza dizendo que “anos atrás o
preconceito contra mulheres era mais forte, hoje elas já integram
60% da Bateria da nossa escola”.
Por:Marinete Coelho
Entrevista Heloisa : Dicesar Rosa Filho
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