sábado, 12 de novembro de 2016

MULHERES RITMISTAS, UMA REALIDADE




MULHERES RITMISTAS, UMA REALIDADE
Quando se fala em carnaval brasileiro a imagem que vem logo a mente são corpos esculturais de mulheres desnudas, bumbuns lindos e silhueta perfeita. Todavia a função das mulheres no mundo do samba não se restringe a isso, dentro das agremiações elas já ocupam espaços muito além dos destinados às rainhas de bateria. Elas estão por toda parte: na presidência, nas diretorias, no comando das alas, na criação dos figurinos, e nas baterias, isso mesmo, mulheres percussionistas, e é exatamente sobre esse último tema que vamos abordar agora.
Essa inclusão, muito discutida atualmente, começou na realidade no século XIX quando Chiquinha Gonzaga compôs em 1899 Ó Abre Alas, a primeira marchinha de carnaval da história, numa época em que as mulheres não tinham permissão sequer para decidir a própria vida. Hoje tudo mudou e não há mais preconceito quanto a presença de mulheres numa bateria de escola de samba.


Não há discriminação e nem privilégios, somos tratadas com igualdade pelo mestre de bateria”, destaca Heloisa Helena, cuiqueira capixaba, apaixonada por esta função, e que vem desfilando por várias agremiações no decorrer dos últimos 5 anos.
Heloisa Helena, que se perde em explicações ao falar sobre as peculiaridades do instrumento que tanto aprecia, diz que a cuíca é um complemento para a bateria com um andamento que segue a marcação do surdo. A ritmista praticamente dá uma aula de como usá-la, e afirma que as mulheres vieram para acrescentar e não para disputar com os homens.
Nome - Heloisa Helena de Souza Silva
Idade - 33 anos
Estado Civil - Solteira
Profissão - Funcionária Pública
Primeira escola - As primeiras escolas foram MUG e Andaraí no carnaval de 2013
Escolas que já passou - 2013 e 2014: Andaraí e MUG;
 2015: Andaraí, Pega no Samba e MUG; 
 2016: Andaraí, Pega no Samba e Império de Fátima
Posição na escola - Desde 2013 como ritmista tocando cuíca e este ano na Andaraí como diretora de bateria
Começou no carnaval – Em junho de 2012 comecei a frequentar a oficina de ritmistas que tinha na MUG, que visava preparar ritmistas para o carnaval de 2013. Neste mesmo ano, cuiqueiros que tocavam na Andaraí me convidaram a frequentar os ensaios da bateria e passei a frequentar a escola também.



Heloísa Helena
Ouça a entrevista com Heloísa:


Cuíca - Curiosa e Apaixonante
Curiosa e apaixonante é como Heloisa define o instrumento. Ela possui duas cuícas, uma de 8" e outra de 10", mas segundo ela, existem muitos tamanhos de cuíca, e elas são medidas em polegadas e não em centímetros, e, embora seja considerada um instrumento de percussão ela não é percutida. “Os tons produzidos estabelecem um padrão rítmico com sons agudos, médios e graves”, explica.
E continua: “A cuíca é um instrumento musical da família dos tambores de fricção, com uma haste de madeira presa no centro da membrana de couro. O som é obtido friccionando a haste com um pedaço de tecido molhado e pressionando a parte externa da cuíca com dedo. Quanto mais perto do centro da cuíca mais agudo será o som produzido”.
Sobre as origens, Heloisa informa que são pouco conhecidas, “podem ter chegado ao Brasil através dos escravos africanos, e estes a usavam, em sua versão primitiva, para atrair leões com os rugidos semelhantes a este animal que o instrumento pode produzir”.
Embora fosse criada para outro fim, o instrumento se adaptou bem a música popular brasileira, mas foi só em 1930 que a cuíca passou a fazer parte das baterias das escolas de samba, e atualmente é também encontrada no jazz contemporâneo e em estilos funk e latinos.


Tânia Brandão - A Pioneira
Engana-se quem pensa que Heloisa é a única mulher no carnaval capixaba a tocar este instrumento. A própria Heloisa faz questão de destacar que “existe outra, Tânia Brandão”. Funcionária Pública aposentada, ex Delegada de Polícia, Tânia Regina Brandão nos surpreende ao afirmar que toca cuíca há mais de 40 anos, que já tocava na Jucutuquara quando ainda era um bloco, e também tocava no Bloco Chega Mais da Vila Rubim.
Além da cuíca, que aprendeu a tocar com um tio, Tânia manda bem no Cavaquinho e no Cajon. Desfila na Jucutuquara desde 2004 e atualmente vem pela MUG, Pega no Samba, Andaraí e Império de Fátima. Orgulhosa de ter sido a primeira mulher a tocar cuíca numa bateria de escola de samba ela encerra dizendo que “a cuíca é essencial para o samba, eu sou a pioneira, a única até aparecer Heloisa”.






Mulheres x Surdo: Conquista e destaque em outras posições
A exemplo de Heloisa e Tânia podemos citar diversas mulheres capixabas que já consolidaram sua participação nas escolas de samba do nosso Estado. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, que elas procuram instrumentos leves como o chocalho e o ganzá, muitas delas encaram o peso de um surdo sem reclamar. Todas parecem realizadas em seus postos e é unânime a ideia de que não trocariam suas posições nas baterias por nenhuma participação em outro quesito.









Kátia Breciani - Podemos começar citando Kátia Breciani, percussionista da Escola Novo Império, especialista em surdo intermediário e chocalho. Ela conta que começou tocando surdo de primeira num bloco de rua, quando um amigo a convidou para participar da bateria da Novo Império. “A princípio alguns integrantes da bateria riam e esperavam que eu errasse”, conta ela, mas teve incentivo do Mestre da época, Marcelinho, que a aceitou, incentivou e ensinou a batida certa. E quanto ao peso do instrumento finaliza dizendo: ” Na avenida a gente não sente o peso, não sente nada, é emocionante”.





Solange dos Santos - Também é amante do surdo, e toca ainda tamborim e chocalho. Ela relembra que começou na Jucutuquara em 2005 convidada pela sua tia Zilda Maria dos Santos, também ritmista da escola. Hoje ela integra a bateria da MUG, apesar de desfilar todos os anos, com a Imperatriz do Forte, a São Torquato e a Pega no Samba. Perguntada como se divide entre as escolas ela diz que se programa de acordo com a agenda da ordem dos desfiles da Lieses. Sobre sua aceitação ela diz que no começo alguns integrantes a olhavam “meio atravessado e tinham receio de me ensinar, não acreditavam que eu chegaria ao fim da avenida com o peso do surdo”. O mestre de bateria que a recebeu foi Renatinho da MUG, que na época era da Imperatriz do Forte, e conclui: “Com o tempo, veio a resistência e a capacidade”.








Walkiria Alexa – Ritmista de tamborim há seis anos pela Independente de Boa Vista, nos conta que “sentia um astral diferentes daqueles que tocavam este instrumento”. Diz que o interesse começou quando ainda era pequena e ia assistir aos ensaios da escola. “Sempre me cobrei um bom rendimento por ser mulher, mesmo sabendo que a diferença de sexo não determina a qualidade do ritmista”, conclui.







Michele Silvério - Há casos em que o incentivo parte de dentro da família. Michele Silvério acabou ritmista de chocalho da Pega no samba da maneira mais casual possível. Ela ia aos ensaios para levar o seu filho Kaleb, hoje com 16 anos, que toca repique. Enquanto assistia aos ensaios Michele começou a se interessar pelo som e devagar foi se apaixonando pela escola. Ela diz que foi “muito bem aceita”, aprendeu usar o chocalho, e já desfila na bateria por 2 anos consecutivos.


Michele e Kaleb




Através da bateria o sonho de carreira
E há aquelas que almejam mais do que tocar um instrumento. É o caso de Juliana Barcelos, ela quer ‘tocar’ a escola e quer envolver toda a comunidade no seu sonho de ser Presidente da Piedade. Nascida e criada na Fonte Grande, onde se localiza a quadra da Piedade, Juliana conta que desfila há 15 anos pela escola e como tudo começou.
Filha de Antônio Barcelos, hoje integrante da Velha Guarda, Juliana seguiu os passos do pai que tocava Caixa. Ela explica que aos sete anos ficava observando a bateria até que o mestre Edu, na época, a introduziu no instrumento que mais despertava sua curiosidade. O pai a incentivou e comprou o Tamborim. Ela desfilou naquele mesmo ano, depois de a família e a escola terem conseguido uma autorização do Juizado de Menores.
Juliana está fazendo carreira, hoje já ocupa o posto de Diretora de Tamborim na Piedade junto ao Mestre Dênis (Sapo). Ela também desfila pela Novo Império sob a coordenação do Mestre Gleydson Mariano, tocando surdo de terceira, que segundo ela, “exige força e postura”. Juliana finaliza dizendo que “anos atrás o preconceito contra mulheres era mais forte, hoje elas já integram 60% da Bateria da nossa escola”.







Por:
Marinete Coelho

Entrevista Heloisa : Dicesar Rosa Filho


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